quinta-feira, 3 de maio de 2007

Fanatismo



Minh’alma, de sonhar-te,

anda perdida

Meus olhos andam

cegos de te ver !

Não és sequer a

razão do meu viver,

Pois que tu és já

toda a minha vida !

Não vejo nada assim

enlouquecida ...

Passo no mundo,

meu Amor, a ler

No misterioso livro do teu ser

A mesma história

tantas vezes lida !

"Tudo no mundo é frágil,

tudo passa ...

"Quando me dizem isto,

toda a graça

Duma boca divina

fala em mim !

E, olhos postos em ti,

digo de rastros :

"Ah ! Podem voar mundos,

morrer astros,

Que tu és como Deus :

Princípio e Fim ! ..."



Florbela Espanca



Livro de Soror Saudade (1923)

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Reflexão


Há certas almas

como as borboletas,

cuja fragilidade

de asas não resiste

ao mais leve contato,

que deixam ficar

pedaços pelos dedos

que as tocam.



Em seu vôo de ideal,

deslumbram olhos,

atraem as vistas: perseguem-nas,

alcançam-nas, detem-nas,

mas, quase sempre,

por saciedade ou piedade,

libertam-nas outra vez.



Ela, porém, não voam

como dantes, ficam vazias

de si mesmas,

cheias de desalento...



Almas e borboletas,

não fosse a tentação

das cousas rasas;

- o amor de néctar,

- o néctar do amor,

e pairaríamos nos

cimosseduzindo do alto,

admirando de longe!...



Gilka Machado
(in Sublimação, 1928)

terça-feira, 24 de abril de 2007


A perfeição




O que me tranqüiliza

é que tudo o que existe,

existe com uma precisão absoluta.



O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete

não transborda nem uma fração de milímetro

além do tamanho de uma cabeça de alfinete.



Tudo o que existe é de uma grande exatidão.



Pena é que a maior parte do que existe com essa

exatidão nos é tecnicamente invisível.



O bom é que a verdade chega a nós como um

sentido secreto das coisas.


Nós terminamos adivinhando,

confusos, a perfeição.





Clarice Lispector

domingo, 22 de abril de 2007

A Árvore Mágica



Fazia um lindo dia de Sol. Quando estava indo à escola, um Menino viu passar por ele um Mendigo. Ele notou que o Mendigo estava muito triste e pálido e também tremia muito. E o Menino pensou: - Acho que ele está com fome. Já sei, vou dar o sanduíche do meu lanche para ele. Foi o que ele fez.
O Mendigo ficou muito contente e aceitou na hora. Enquanto comia o aquele delicioso sanduíche, o Mendigo disse:
- Você é um Menino muito bom. Vou lhe dar de presente uma coisa especial. Dizendo isso, ele se abaixou e pegou alguma coisa que estava dentro do seu saco. Então, de dentro do saco, ele retirou um saquinho que deu ao Menino. E o Mendigo explicou a ele:
- Aí dentro tem uma semente mágica. Você vai levar para casa e plantá-la. E o Mendigo lhe falou outra vez:
- Agora tem uma coisa. Esta semente só deve ser aguada em noite de lua cheia. Faça isto e logo, você terá uma surpresa muito ESPECIAL. Após dizer isto, o Mendigo seguiu seu caminhoDepois de ter voltado da escola, e fazer o Dever de Casa, o menino plantou a semente. Como aquele dia era de lua cheia, ele aproveitou e aguou logo. Depois disso, ele foi dormir.Deitado, ele pensava como seria a plantinha que ia nascer. Pensando nela, ele adormeceu e sonhou com ela a noite toda. Pela manhã, antes mesmo de escovar os dentes, ele correu para o quintal para ver como estava sua plantação. Ao chegar lá, teve uma surpresa. Por incrível que pareça, a plantinha já tinha algumas folhas.Naquele dia, ele foi para a escola, mas não conseguia parar de pensar em sua planta. De que tamanho será que ela vai estar amanhã? Aquela noite ele sonhou com um Carrinho Vermelho, que queria comprar há muito tempo, mas não tinha dinheiro. De manhã, a primeira coisa que fez foi ir ver como estava sua planta. Quando viu, disse surpreso:
- É uma árvore mágica! Na árvore, haviam nascido carrinhos iguais ao que ele sonhara. E eram de verdade. Ele ficou tão contente que não conseguia nem falar.Ele estava tão ansioso naquele dia, que na escola, a professora falava e ele só pensava na árvore mágica. Quando foi dormir nesse dia, ele sonhou jogando bola. Sonhou que tinha uma bola de couro novinha.De manhã, correu para o quintal. Ao ver sua árvore, ele compreendeu tudo. Haviam nascido nela, bolas iguais as que ele sonhara à noite. Então ele disse:
- Quer dizer que, se eu pensar num brinquedo, ele nasce na árvore. E ele lembrou-se do Mendigo.Então, depois de juntar muitos brinquedos, ele teve uma idéia, e disse:
- Já sei. Vou distribuir brinquedos com os meninos lá das favelas. E esta semana, vou sonhar com comida, e depois vou lá distribuir também. Ele então juntou tudo num carrinho, e levou para dar de presente aos meninos pobres, que viviam numa favela ali perto.Por onde ele passava era uma alegria só. Todos ficaram muito contentes. E ele viu como era bom dar presentes.

Alberto Filho

Escrevi um poema triste

E belo, apenas da sua tristeza.


Não vem de ti essa tristeza


Mas das mudanças do tempo,



Que oras nos traz esperanças...



Ora nos dá incerteza...



Nem importa, ao velho tempo,


Que sejas fiel ou infiel...



Eu fico, junto à correnteza,


Olhando as horas tão breves...


E das cartas que me escreves


Faço barcos de papel!



Mário Quintana







Cântico IV




Tu tens um medo: Acabar.

Não vês que acabas todo dia.

Que morres no amor.

Na tristeza.

Na dúvida.

No desejo.

Que te renovas todo dia.

No amor.

Na tristeza.

Na dúvida.

No desejo.

Que és sempre outro.

Que és sempre o mesmo.

Que morrerás por idades imensas.

Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.


Cecília Meireles